sábado, 22 de março de 2008

A China e os ovos da Páscoa


Para compesarmos o atraso nas postagens, resolvemos publicar alguns textos interessantes oriundos de outros sites. Esta postagem se trata de um belo panorama de Alberto Dines sobre a hipocrisia ocidental em relação ao Tibete, além da gangorra em que a economia se encontra.

Egípcios e romanos celebravam a vida através do culto aos ovos, mas a tradição começou muito antes na China, quando na Festa da Primavera (do hemisfério Norte) ovos pintados e cozidos em ervas eram oferecidos aos amigos com votos de renovação da vida. Além dos ovos da Páscoa, muita coisa originou-se na China, inclusive a pólvora e os fogos de artifício.

Também a crise das commodities que nestes dias ocupa o lugar de honra no noticiário. Os analistas esmeram-se na explicação sobre desenlaces recentes (o desabamento na última quarta-feira do preço das matérias-primas) e, geralmente, negligenciam as análises sobre seus antecedentes. Não é de bom-tom remontar à gênese das bolhas porque ninguém gosta de penitenciar-se em público.

A verdade é que o desmoronamento de 19 de Março é conseqüência direta do pico de 4 de Março quando as commodities atingiram preços astronômicos e ninguém acionou os alarmes. Este pico tem a ver com o movimento defensivo em seguida à crise hipotecária americana: para compensar perdas e garantir retornos, os investidores apostaram em commodities valorizadas nos últimos anos em padrões alucinados.

Quem está com o pé no acelerador é o dragão da economia global, a China. O país abriga um quinto da humanidade, mas consome metade do cimento, um terço do aço e um quarto do alumínio produzidos no mundo. Comparada com a de 1999, a importação chinesa de soja subiu 35 vezes e a de cobre, 23 vezes (dados da “Economist”, 15/3).
Além do desastre ecológico provocado por uma indústria sem tradição de qualidade e um governo absolutamente desatento aos mais comezinhos princípios de respeito à Natureza, a fome pelas commodies colocou sua política externa a serviço das piores ditaduras da África e Ásia.

O celebrado pragmatismo chinês ajudou emergentes como o Brasil a reequilibrar sua economia, mas foi responsável igualmente pela paralisia mundial que manteve o holocausto em Darfur e a sanguinária repressão em Myanmar.
Ao contrário das arrogâncias exibidas por Hitler, Mussolini, Stalin e Bush, a fórmula chinesa é branda, maneirosa. Abolido o culto da personalidade, funciona em seu lugar uma máquina burocrática impessoal, contínua e não menos brutal.

O Tibete é a dolorosa vitrine de uma duplicidade onde se combinam o formidável esforço para tirar centenas de milhões de seres humanos da miséria absoluta e a implacável repressão política contra aqueles que desejam expressar suas opiniões. A cinco meses das Olimpíadas, a famosa paciência chinesa mostrou suas limitações e precariedade.
Depois de negar teimosamente o uso da força, o governo pequinês finalmente admitiu nesta sexta-feira que suas tropas atiraram contra os rebeldes tibetanos no exato momento em que Nancy Pelosi, presidente da Câmara de Representantes americana, depois de reunir-se com o Dalai Lama em seu exílio indiano, colocou a boca no trombone contrariando o cinismo da Casa Branca.

O drama tibetano que se arrasta desde 1950 (quando a república proclamada em 1911 foi anexada pelo revolucionário Mao Tsedong) torna-se mais pungente diante da desfaçatez globalizada. As esquerdas e seus movimentos de direitos humanos estão silenciosos – afinal o país ainda é formalmente comunista, coberto de vermelho e estrelas amarelas. O mundo empresarial que nunca se impressionou com totens e tabus só pensa naquilo: crescimento acelerado para manter a alternância dos círculos virtuosos e viciosos.

No rol dos inventos chineses, imperioso acrescentar a atual epidemia mundial de hipocrisia.


(Texto retirado de http://ultimosegundo.ig.com.br/opiniao/alberto_dines/2008/03/21/a_china_e_os_ovos_da_pascoa_1238661.html)

Um comentário:

Capa Negra disse...

P'ra quem tinha escravidão, servidão à moda europeia medieva e concentração de terras nas mãos dos budistas bonzinhos, assim como um exército pessoal p'ra caçar servos fujões, a situação não tá assim tão complicada.