quinta-feira, 29 de maio de 2008

Um Brasileirão menos brasileiro



O complexo de vira-lata ainda sobrevive, surpreendentemente, no futebol brasileiro de diversas maneiras. O expoente disto mais bem aceito, compreendido e até, amplamente, apoiado é na natureza excludente do Campeonato Brasileiro de pontos corridos. Trata-se de uma fórmula antagônica a riqueza de nosso futebol.

Os árduos defensores da fórmula logo me chamarão de retrógado, antiquado ou obsoleto. Provavelmente, vão tratar este artigo como o de um defensor de fórmulas mirabolantes, talvez até digam que o que proponho é algo "politiqueiro" e, num exercício de hipérboles e exageros, de que cultuo a velha ordem do futebol brasileiro, cheia de defeitos, incoerências e corrupção. Não é nada disso. Utilizarão o argumentos das organizadíssimos e enormes sucessos comerciais o campeonato de pontos corridos na Alemanha, Inglaterra, Itália ou Espanha, por exemplo, torneios, muitas vezes, secularmente disputados nestes conformes. Tudo bem. Isto é claramente mais uma vez uma forçada transposição de um modelo estrangeiro para a nação tupiniquim. É a colonização cultural travestida de "modernidade". Trata-se de ignorar nossas aspectos geográficos, históricos e culturais ímpares.

É preciso compreender a singularidade de nosso país e a consequente formação do futebol brasileiro. Somos uma nação enorme. Temos uma extensão territorial muito superior a quaisquer nações da Europa. Nossos estados são maiores que diversos países. O futebol brasileiro secularmente se formou a partir dos campeonatos estaduais. Devido a nossa grande população e a popularidade do esporte, possibilitou-se o aparecimento de grandes jogadores em várias regiões do país. Este modelo gerou um grande número de equipes grandes, competitivas e com enorme torcida, além de craques, apesar das diferença sócio-econômica entre as diferentes regiões do país. Enquanto em Portugal, por exemplo, há apenas 3 ou 4 equipes de grande torcida, ou, na Espanha, algumas pesquisas mostrem que aproximadamente um terço dos espanhóis torçam para o Real Madrid e um quarto para o Barcelona, no Brasil, sempre reinou um regime de pluralidade. Isto explica, por exemplo, o grande número de equipes campeães brasileiras: em 36 anos de Campeonato Brasileiro, houve 17 clubes vencedores. Para se ter uma idéia, em 76 edições de campeonato espanhol, só 10 agremiações difentes conquistaram o título, na Itália, foram 106 torneios e, apenas, 14 campeões nacionais. Mesmo o Brasil se trantando de uma realidade econômia pior, é possível fazer uma anologia entre os nacionais europeus e os nossos torneios estaduais.

Um país com dimensões também continentais pode ter, sim, campeonatos nacionais equilibradas baseados num sistema de playoffs, como o caso dos EUA. No país mais rico do mundo, as principais ligas de basquete, beiseball, futebol americano, futebol e até automobilismo(como no caso da popularíssima Nascar) tem jogos decisivos eliminatórios e são ultra-rentáveis. O que refuta o argumento de que o modelo puro e simples de pontos corridos é melhor para os clubes, utilizando apenas os exemplos um tanto inverossímeis do velho continente.

O Campeonato Brasileiro de pontos corridos desvirtua nossa honrosa tradição da diversidade. Diferentemente, do torneio em que existem partidas eliminatórias, fatores como torcida, sorte, fator campo se diluem. Como ele é um torneio mais longo, é necessário um elenco numeroso e, ao mesmo tempo, de qualidade. Tudo isto a primeiro vista pode até parecer positivo; o que, no entanto, se deve inferir é que para isto é necessário, mais do que nunca, um grande poder de contratação e de investimento. E isto subverte nossa riqueza cultural, pois os clubes das regiões mais bem favorecidas, especialmente São Paulo, se tornarão eternas favoritas ao título. É necessáro entender que a renda de um clube se deve preponderantemente a vendas dos direitos de exibição em TV, contratos de patrocínio e vendas de jogadores. Nos dois primeiros aspectos, fica, claro, uma superioridade para equipes de mercados-consumidores mais ricos. Mesmo que as equipes do Nordeste, por exemplo, se organizem, dificilmente serão fortes candidatas ao título brasileiro. Com o tempo, haverá menor diversidade de clubes grandes, alguns clubes se tornarão "tradicionalmente" vencedores, conseguindo, assim, melhor exposição e, consequententemente, melhores contratos de patrocínio e mais torcedores, outros irão apenas disputas posições de meio de tabela e lutar contra o rebaixamento. Isto gera um fenômeno de concentração de torcida e diminuição dos clubes grandes, enfraquecendo o esporte e minando nosso torneio nacional. Tudo isto acaba por gerar um torneio a longo prazo menos atrativo, já que várias regiões do país não serão bem representadas, com clubes menores, é bem possível um ainda maior enfraquecimento dos estaduais e uma diminuição do impacto do futebol em vários estados.

Assim como em quase tudo em nosso país, a solução de problemas do futebol brasileiro não está na cópia de um modelo estrangeiro. Está, sim, numa gestão, acima de tudo, mais transparente e numa política de planejamento integrada e arrojada. Um torneio é rentável porque desperta atração do público e isto pode ser conseguido de diversas formas, ainda mais quando se trata de uma paixão.


Otávio Bessa